quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Teatro negro ocupa o Arena 47 anos após Zumbi de Augusto Boal e Guarnieri com Namíbia, Não!

Em: ATORES & BASTIDORES por Miguel Arcanjo Prado

Publicado em 13/12/2012 às 15h58

Teatro negro ocupa o Arena 47 anos após Zumbi de Augusto Boal e Guarnieri com Namíbia, Não!
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Flávio Bauraqui e Aldri Anunciação em Namíbia, Não!, com direção de Lázaro Ramos - Foto: Rubens Nemitz Jr./Clix

Por Miguel Arcanjo Prado


No fictício ano de 2016, os brasileiros "de melanina acentuada" são obrigados por um decreto goveranmental a ser deportados de volta à África, de onde seus antepassados foram trazidos escravizados. Este é o argumento da peça Namíbia, Não!, carro-chefe da ocupação do histórico Teatro de Arena, em São Paulo, na mostra Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada.


O evento acontece 47 anos depois de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal escreverem a peça Arena Conta Zumbi, marco da temática negra no teatro nacional. O texto precisou ser escrito por dois descendentes de imigrantes europeus, italianos e portugueses, respectivamente. Agora, eis que o próprio negro toma as rédeas da dramaturgia e da encenação de sua história.


O espetáculo Namíbia, Não! é de autoria do baiano Aldri Anunciação, que além de escrever o texto, contracena com o ator gaúcho Flávio Bauraqui. A direção é do também baiano Lázaro Ramos. Todos negros. A comédia dramática foi um dos destaques do Festival de Curitiba deste ano.


"Negros são invisíveis"


O R7 se encontrou com Aldri e Flávio no hotel onde estão hospedados, na Vila Mariana, em São Paulo, nesta quinta (13). Durante um bate-papo descontraído, Aldri, idealizador da mostra, contou que tudo partiu de uma pergunta feita por uma repórter no Sul do Brasil. Ela questionou por que havia tão poucos autores negros na dramaturgia nacional.


"Na hora, pensei de cara em uns dez nomes, como a mineira Grace Passô, e vi que estávamos invisíveis. Resolvi mostrar a nossa força nesta mostra, onde estão presente 18 autores negros da dramaturgia contemporânea brasileira, além da leitura dramática de dez novos espetáculos".


O debate também está garantido, com dez palestras ao longo da programação. Aldri quer dar amplitude ao discurso artístico do negro. Em sua opinião, o assunto racial não precisa ser foco único: "O negro já é tão estereotipado na atuação. Por que também estereotipar o autor negro?".


No futuro próximo, ele pretende levar a questão para o ambiente acadêmico: "Quando fiz UFBA [Universidade Federal da Bahia] e depois me transferi para a UniRio [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro] percebi que a academia era carente da história da dramaturgia negra. O único autor negro que estudávamos era o Abdias do Nascimento, e mesmo assim por um viés social e não artístico. Quero levar essa discussão para a universidade".


Negro dono do discurso


Flávio, que já teve atuações destacadas no cinema nacional, como em Madame Satã, afirma gostar de que a peça surja em um momento em que o Brasil discute a situação do negro. O ator é a favor das cotas raciais, assim como Aldri, que mudou de opinião em 2006, depois de ser contra por um tempo.


Os dois concordam que "por enquanto, não há outra saída". Para o gaúcho, "a nova geração tem uma cabeça diferente da anterior para as relações sociais, sexuais e raciais". Ele conta que os estudantes são os mais vibrantes na plateia, o que o faz acreditar que "estamos evoluindo".


Ao dar voz ao discurso do negro no palco histórico do Arena, Aldri recusa o lugar de acusação ou culpa. Mas busca integração: "O probelma racial não é só nosso. Afinal de contas, todo mundo tem melanina", provoca. "Apresentar a peça neste palco é tão especial porque há 47 anos éramos um objeto e agora somos sujeitos com nosso ponto de vista. Fazer Namíbia, Não! e a ocupação da Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada no Arena, onde foi encenado Zumbi, é uma inversão de posições. O negro passa a ser o sujeito responsável por seu discurso, que não é segregador, mas de união, porque esse assunto não é só do negro, mas de toda a sociedade".


Namíbia, Não!

Avaliação: Bom

Quando: Quinta a domingo, 20h. Até 17/2/2012 (recesso entre 17/12 e 9/1)

Onde: Teatro de Arena (r. Teodoro Baima, 92, Metrô República, São Paulo, tel. 0/xx/11 3256-9463 )

Quanto: R$ 20

Classificação: 14 anos





Crítica: Namíbia, Não! dá voz ao discurso do negro


Um dos mais comentados textos do recente teatro baiano, Namíbia, Não!, dirigido por Lázaro Ramos, é assinado pelo baiano Aldri Anunciação, que também atua na obra. A dramaturgia do espetáculo é calcada em uma bem construída reflexão sobre o papel do negro na sociedade brasileira.

O conflito desenvolvido ao longo da encenação surge com um decreto governamental promulgado em 2016, que obriga todos os cidadãos brasileiros “de melanina acentuada” – em uma ótima brincadeira aos termos politicamente corretos vigentes – a retornarem a seus países africanos de origem.

Ao receber a notícia, dois primos negros, o aspirante a um cargo no Itamaraty Antonio (Aldri Anunciação) e o estudante de direito André (Flávio Bauraqui), decidem manter-se encarcerados no apartamento onde vivem para evitar a “deportação” obrigatória caso pisem na rua. Tal aprisionamento provoca nos dois reflexões e mudanças de postura diante da situação.

O cenário cria o interior do apartamento clean onde vive a dupla de primos, todo em cores brancas, em um funcional e belo trabalho de cenografia assinado por Rodrigo Frota.

Despido de qualquer referência à moda afro, os modernos e bem cortados figurinos de Diana Moreira servem para dar aos personagens um ar futurista, não deixando de acentuar a subjugação deles aos padrões estéticos ocidentais como forma de sobrevivência e ascensão social. Apesar disso, as roupas são pretas, contrastando com o ambiente branco onde vivem, numa simbologia do discurso da montagem.

Apesar de provocar risadas na plateia em alguns momentos mais espirituosos, o discurso do texto é forte e preciso. Questiona o tempo todo o papel de marginalidade dado ao negro na sociedade brasileira, lembrando desde a violência dos navios negreiros e dos chicotes nas fazendas Brasil afora até o total desamparo social vindo com a Lei Áurea de 1888, que deixou o negro em um lugar marginal dentro da sociedade brasileira.

O espetáculo tem boas contribuições de vídeos e áudios, gravados por uma turma tarimbada que vai de Wagner Moura a Suely Franco e Luis Miranda. Num inventivo recurso da direção, as vozes e os vídeos contracenam com os personagens e ajudam a conduzir a história.

Contudo, a direção de Lázaro Ramos, apesar dos aspectos positivos já mencionados, peca em deixar os atores investirem na caricatura em muitos momentos, fazendo uso de um registro teatral mais infantilizado como forma de sublinhar os momentos mais dramáticos. Bem conduzida e amarrada no começo, a dramaturgia também se perde na parte final do espetáculo, sobretudo com o falso fim, que na verdade se revela ao público como a porta de entrada para a parte mais confusa da peça.

Mesmo diante dessas escorregadas, a obra tem o mérito inquestionável de levar ao espectador uma discussão corajosa e tão necessária em nossa sociedade, que está muito longe de uma utópica igualdade racial e social. Sociedade esta que deixa o negro, muitas vezes, em um lugar desfavorável. Namíbia, Não! exacerba tal situação para levantar o debate.

Veja a programação completa da mostra Nova Dramaturgia da Melanina Acentuada!
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Imagens da peça Namíbia, Não! pela sensível lente do fotógrafo Rubens Nemitz Jr., da Agência Clix, que fotografou o Festival de Curitiba 2012 

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